Problemas Públicos

Você conhece os principais problemas públicos da fronteira Brasil-Bolívia?

Historicamente, as fronteiras do Brasil não constituíram prioridades para as políticas públicas. Com exceção de quando há possibilidades econômicas (por exemplo, o Gasoduto Brasil-Bolívia, ou a Rota Biocêanica), o desinteresse governamental para as zonas de fronteira persiste. Isso, somado ao afastamento geográfico, à infraestrutura insuficiente, à baixa qualidade dos serviços públicos, aos intensos problemas relacionados à pobreza, à (falta) de saúde pública, às devastações ambientais, ao tráfico de drogas e demais ilícitos, tudo, agrava ainda mais a situação da população que vive nas zonas fronteiriças.

Mas, mesmo diante de tanta desigualdade, a população fronteiriça não se cala. Se organiza e busca, se não reverter, ao menos melhorar a situação de sua comunidade, como fazem as iniciativas cadastradas no menu Ecossistema.

Toda essa desqualificação da vida na fronteira se reflete nos dados dos principais problemas públicos, investigados pelo OBISFRON e descritos a seguir.

Clique aqui para conferir essa ilustração em espanhol ou inglês

 

Palestras e atividades educacionais da CUFA visando a erradicação da pobreza

Erradicação da pobreza – Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais é um dos objetivos fundamentais expressos no Artigo 3º da Constituição Federal do Brasil. No âmbito internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o prazo de 2030 para que as nações ao redor do mundo cumprissem essa meta. No entanto, pesquisas realizadas no ano de 2022 apontam que o Brasil está longe de alcançar esse objetivo. De acordo com o Novo Mapa da Pobreza, divulgado em junho de 2022 pela Fundação Getúlio Vargas, o contingente de pessoas pobres (renda mensal de até R$ 497,00) em 2021 é o maior da série histórica iniciada em 2012: 62,9 milhões de pessoas, cerca de 29, 6% da população brasileira. Ainda de acordo com essa pesquisa, a região do Pantanal Sul-mato-grossense (onde se localiza os municípios de Corumbá e Ladário) apresenta 28,07% de pessoas pobres. No que se refere às cidades bolivianas de Puerto Quijarro e Puerto Suarez, também é perceptível a dificuldade em erradicar a pobreza, em virtude da localização fronteiriça e a concentração de recursos em departamentos mais próximos da capital. Portanto, para essa região, ainda há muito o que ser feito para tornar a erradicação da pobreza uma realidade.

Combater a vulnerabilidade através de atividades lúdicas é uma das ações da CUFA

Vulnerabilidade social, racial e igualdade de gênero – Além do acentuado aumento de pessoas em situação de pobreza (o que já indica vulnerabilidade social), o Brasil também apresenta outros aspectos que favorecem e/ou acentuam esse fenômeno, como por exemplo, a visão capacitista (que vulnerabiliza pessoas com deficiência), a precarização/exploração do trabalho de jovens e idosos, o racismo estrutural e a desigualdade de gênero. No que se refere à questão racial, no ano de 2022, houve um aumento de cerca de 40% nos casos de agressão física e verbal contra pessoas negras (Portal Geledés, 2023). Aliado a isso, dados do IBGE apontam para uma diferença salarial de cerca de 50% entre brancos e negros. A realidade brasileira também é marcada pela desigualdade de gênero. Além da rotina de violência contra mulheres (de acordo com a Agência Patrícia Galvão, a cada dia, 07 mulheres são vítimas de violência), levantamento realizado pelo Dieese em 2022, aponta que mulheres recebem 21% menos que os homens. A questão de gênero também se revela na violência e na discriminação contra a população LGBTQIA+. Portanto, ao falarmos em vulnerabilidade social, é fundamental compreendermos esses fenômenos de maneira complexa, visto que apresentam múltiplas origens e intersecções, fazendo com que determinados grupos populacionais brasileiros sejam mais atingidos.

Campanha de vacinação dos povos ribeirinhos/Pantanal (Foto: Clóvis Neto / Prefeitura de Corumbá)

Saúde pública e bem-estar Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018), a taxa de mortalidade no Brasil é de 6,6 para cada 1.000 nascidos. Já em Corumbá e Ladário (MS) essa taxa mais do que dobra e chega a 17,8. No lado boliviano, os números diminuíram nos últimos anos, passando de 50 para 24, mas ainda é alto. Essa diferença é um potente indicador dos problemas que as cidades precisam enfrentar em relação à saúde. Devido aos expressivos casos de raiva e leishmaniose, os desafios vão além da mortalidade infantil e envolvem questões como dengue, H1N1, aborto, tratamento de câncer e a saúde animal. Mesmo com um alto número populacional (179 mil habitantes), muitos procedimentos básicos não são realizados nessas cidades, que dependem de Campo Grande (MS/Brasil) ou de Santa Cruz (Bolívia). A falta de uma UTI neonatal e as limitações do Hemosul nos surtos de dengue indicam a necessidade de se repensar os serviços de vigilância epidemiológica em saúde em áreas de fronteira. O Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS-Fronteira) surgiu visando melhorar esses serviços, que tem por intenção realizar um diagnóstico da saúde local e elaborar um plano operacional para o aprimoramento da rede de serviços de saúde nos municípios fronteiriços. Apesar dos benefícios, esse programa ainda não foi implantado na região. Por isso, os desafios para as diferentes iniciativas da sociedade civil vão desde reivindicar a operacionalização de políticas públicas até a distribuição de bens e serviços em redes de apoio.

Queimadas no Pantanal – região da APA baía Negra/Ladário, 2020. Fonte: @apabaianegra

Degradação ambiental – A degradação ambiental é todo processo de destruição e remoção de uma vegetação nativa, gerando consequências graves para a fauna que vive nesse habitat. Essa região possui dois grandes biomas: o Cerrado, o segundo maior bioma da América do Sul, com 5% da biodiversidade do Planeta; e o Pantanal, uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta (Ministério do Meio Ambiente, 2020). Tanta riqueza não evita as mazelas decorrentes, principalmente, das atividades ligadas à agropecuária e à mineração. Em 2019, o Pantanal registrou 334% mais queimadas do que no ano anterior. Consequentemente, a temperatura aumentou até 6 °C enquanto as chuvas diminuíram 25% (Oliveira, 2019). Em março de 2020, as queimadas triplicaram. Corumbá e Ladário (MS) lideram o ranking nacional com focos de queimada. O problema vira um “jogo de vizinhos”, em que o poder público brasileiro e boliviano coloca a “culpa” sobre as queimadas um no outro, como se o fogo respeitasse o limite internacional. Outros desastres surgem devido ao desmatamento, ao tráfico de animais silvestres, à falta de gestão de resíduos sólidos e à poluição das águas, lembrando que essa região não possui aterro sanitário e os compromissos para tal efetivação são lentos. A BR-262, que corta o Pantanal, é conhecida como a “Rodovia da Morte” devido ao atropelamento de animais silvestres. São, em média, 6 mortes/dia e uma estimativa de 3 mil mortes por ano (Naujorks, 2018). Por tudo isso, a mudança para a sustentabilidade é impulsionada por abordagens e iniciativas heterogêneas da rede de atores da sociedade civil nas cidades e suas preocupações ambientais. Nessa problemática, as ações micro dialogam com as ações macro em razão de a mudança ambiental ser de interesse global.

Agricultores familiares de reforma agrária protestando na porta do Incra de Corumbá, devido a seu sucateamento. (Foto G1MS, 2019)

Fome Zero e agricultura sustentável e familiar – A fome em um Estado agrário é uma ocorrência que chama atenção. A fome aumentou no mundo, passando a atingir 820 milhões de pessoas (Jarvis et al., 2019). Poucos estudos trazem um retrato específico dessa região. Porém, notícias sobre desnutrição infantil de povos ribeirinhos, indígenas e outros grupos (seguida de morte) são rotineiras. O Objetivo 2 da ODS (Organização das Nações Unidas, 2015) estipula que até 2030 deveríamos acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano. Para isso, é necessário valorizar a produção da agricultura familiar, dos povos indígenas, quilombolas e dos pequenos pescadores através do acesso à terra, a linhas de créditos, a políticas públicas que fortaleçam o mercado entre outros. Faltam dez anos para o cumprimento do acordo. Pesquisas mostram que dificilmente o Brasil alcançará tal meta e o aumento da pobreza é um indicativo disto (Favareto, 2019). Segundo Jarvis et al. (2019), os pequenos agricultores possuem quatro vezes mais chances de entrar na linha da pobreza se comparados às chances de outros indivíduos, empregados em diferentes setores da economia. Essa região possui cerca de dez grupos de produtores, em sua maioria assentados da reforma agrária, com dificuldades para ampliar a produção de alimentos e implantar a usina de resfriamento e beneficiamento do leite, sobretudo por falta de água, desarticulação interna, descaso do governo e opressão dos grandes produtores. As transições das bases produtivas, com atenção para a natureza, à valorização das famílias, das feiras livres (tradicionais nessa fronteira) e de programas que amplifiquem a aquisição da produção da agricultura familiar estão no centro das discussões para promover o desenvolvimento da região e de suas interações.

Estudantes da rede estadual durante a semana do Banho de São João (Foto SED, 2023).

Educação e cultura As tendências pedagógicas atuais têm demonstrado cada vez mais a importância de uma educação intercultural, pois essa perspectiva busca criar laços de valorização, aceitação e respeito das mais variadas manifestações culturais, entendendo que não existem relações culturais superiores ou hierárquicas, mas uma diversidade que precisa ser respeitada e compreendida. Assim, uma educação intercultural é fundamental para que se diminuam preconceitos étnicos, racial, de gênero ou xenofobia. A desvalorização ou depreciação cultural fica mais evidente em regiões com grande fluxo cultural, caso dessa fronteira, que apresenta interações sociais de brasileiros, bolivianos, paraguaios, palestinos, indígenas e outros povos. Esse fluxo cultural, ao tempo em que cria hibridizações, gera também preconceitos culturais. Por isso, as escolas dessa região devem atuar de modo a promover relações interculturais, priorizando a integração, a compreensão da vida e das oportunidades na fronteira, valorizando os sentidos de fronteira, o ensino bilíngue e formando cidadãos aptos a conviver com a diversidade. Daí a importância de projetos de extensão das universidades para apoiar as escolas nessa empreitada; das iniciativas de suporte em financiar futuros projetos e de outras iniciativas de inovação social que também promovam a difusão cultural e educacional na fronteira.

Projeto Conexão Libras (IFMS).

Inclusão de pessoas com deficiências e com necessidades educacionais específicas – Os organismos internacionais têm desempenhado um importante papel no contexto da educação brasileira. A partir dos documentos internacionais, a exemplo da Conferência Mundial sobre Educação para Todos (UNESCO, 1990), Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), dentre outros, ocorreram significativas reestruturações nas políticas educacionais voltadas às pessoas com deficiência no Brasil. A partir dos anos 2000, as ações do governo federal se intensificaram, sobretudo com a busca pela universalização da educação no país, que resultou no aumento significativo de pessoas com deficiência matriculadas nas escolas comuns. Conforme os dados do Censo Escolar da Educação Básica de 2022, são 1,3 milhões de estudantes com deficiência no Brasil. Na região de Corumbá/MS, por exemplo, no período de 2013 a 2018 ocorreu um aumento de 60% das matrículas de alunos com deficiência na rede municipal de ensino. Dessa forma, faz-se necessário o acompanhamento das ações voltadas às iniciativas e suportes voltados a essa população e que buscam garantir o direito à educação de pessoas com deficiência, considerando as suas especificidades. Importante destacar também a importância de uma visão intersetorial, que leve em conta a atuação das políticas de educação, saúde e assistência social, além das iniciativas da sociedade civil que contribuem para o desenvolvimento dessa população.

Fila no posto de imigração da Polícia Federal na fronteira Brasil-Bolívia. (entrada para o Brasil).

Imigração e refugiados De acordo com relatório do Observatório de Migrações Nacionais (OBMigra), o Brasil recebeu entre 2011-2020 um contingente de 971.806 migrantes (ou seja, pessoas que saíram de seus países por razões diversas), sendo que 80% são provenientes de países do Sul Global. No que se refere à refugiados (pessoas que saíram de seus países em virtude de ameaças e perseguições), o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) informa que, no início de 2023, 65 mil pessoas foram reconhecidas enquanto tal. Localmente, o Anuário da Migrafron (2023) informa que existiam 28 nacionalidades domiciliadas em Corumbá, uma das justificativas para isso, é a localização geográfica, onde Corumbá e Ladário se tornam ponto de passagem para vários grupos de imigração e refúgio. De acordo com dados da Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania de Corumbá, no ano de 2022, 1.291 migrantes foram atendidos no município por órgãos dessa secretaria. Isso só reforça a necessidade de entender os desdobramentos da ação em torno da recepção e do acolhimento aos imigrantes e refugiados nessa fronteira.

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